terça-feira, 23 de agosto de 2011

O sacristão destemido

Não sendo uma pessoa que possa dizer que tenha uma vida longa e preenchida de vivências e histórias para partilhar, posso considerar-me uma felizarda por ter nascido numa pequena aldeia do interior e ter vivido uma infância repleta de aromas, sabores, brincadeiras e histórias de tempos idos, dum passado que foi meu mas que parece longínquo e irreal aos ouvidos de qualquer criança dos dias de hoje.
Filha de pais jovens, tive uma convivência muito próxima com a minha também jovem avó, com quem passava grande parte dos dias, no tempo em que a escola era apenas uma pequena parte da jornada diária, (cinco horas pela manhã mais uns rabiscos em casa, que se faziam com agrado, e o dever estava cumprido).
Esta minha avó é uma alma bastante generosa, amiga de dar, mas dona de uma língua afiada que não passa despercebida aos olhos de ninguém da aldeia. Tudo se sabia e ouvia no pátio lá de casa entre novelos de crochet e fornadas de dormidos, o que me tornava portadora de todas as novidades, segredos e fofocas da aldeia. As histórias eram tantas e repetidas tantas vezes que mesmo não tendo interesse algum no assunto, ficavam retidas na minha ainda fresca memória.
Uma das peripécias que ainda hoje recordo, e que nunca consegui saber se era verdadeira ou ficcionada, é a do sacerdote da aldeia que andava enrabichado por uma das sua ovelhas. Nada de anormal e até aceite pela população, desde que não interferisse com o bom desempenho das suas funções. O caricato da situação é que a dita cuja era uma jovem solteira, que havia sido prometida ao sacristão da paróquia. Quando chegou aos seus ouvidos que a sua noiva donzela andava a ser rondada pelo padre, na preparação da Eucaristia de Domingo colocou no cálice, junto com um pouco de vinho do Porto, urina de cão que o pároco bebeu sem estranheza.
Logo em seguida o sacristão aproximou-se do púlpito das leituras e proferiu a seguinte frase:
«Já que o senhor padre gosta de molhar o bico naquilo que é dos outros, espero que tenha apreciado o mijo do meu canito.»
Foi uma boa lição para o sacerdote que teve, literalmente, de ir pregar para outra freguesia.


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